quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sobre o casamento gay

Já há muito tempo que tenciono escrever estas linhas, primeiro porque porque sou homossexual, logo sinto que este assunto me diz respeito. E embora este tópico deva pôr toda a sociedade civil a pensar, para os que ainda não formaram opinião apresento aqui uma visão muito própria sobre este assunto e que, de resto, me demarca do denominado lobby gay.

Há muito que a opinião pública tem a visão de que todos os homossexuais são representados pelas associações lgbt e que o homossexual mediano tem o perfil do extravagante em plumas na parada gay. Está na altura de crescermos um bocadinho e tomarmos consciência que os homossexuais são um conjunto de gente tomado em abstracto que unicamente só têm em comum a sua orientação sexual. Se bem que a esquerda muito tenta homogeneizar este grupo de pessoas para os seus fins políticos e eleitoralistas, o facto é que há muita coisa que não é debatida como deve ser dentro do lobby gay por esta mesma razão.

Para tomarmos consciência dos dois lados neste debate exponho aqui primeiro as duas visões extremistas para depois materializar a minha opinião mais moderada sobre este tópico.

Por um lado temos a perspectiva de gente como João César das Neves, o pitbull da Opus Dei, que classifica a homossexualidade de "aberração" e equipara esta reivindicação do casamento gay à extensão do casamento entre pessoas e animais ou mesmo entre parentes. Se bem que à primeira vista parece que estamos a debater no campo do ridículo o facto é que há uma linha de pensamento que aqui sobressai. Será o casamento algo puramente arbitrário? Algo que o estado estatui a seu bel prazer ?
O casamento é como alguém já disse, uma instituição milenar, e que só foi significativamente alterada pela introdução do divórcio. O casamento é prática civil nos dias de hoje mas historicamente provém de uma herança religiosa, variando a sua prática consoante a confissão. Há também um papel social que o casamento desempenha, é o de conferir estatuto à prole do casal, por exemplo na responsabilização dos progenitores na educação do seu filho (algo que Lobo Xavier explicou de maneira errada na sua Quadratura do Ciclo).

Depois há a perspectiva do dito lobby gay, onde se reivindica o casamento como um direito tendo como tese fundadora o chamado princípio de igualdade. "Igualdade" ao que parece é uma palavra que é usada para tudo hoje em dia. Nas palavras de Vasco Pulido Valente : "os portugueses preferem sempre ser iguais a serem livres". Agora igualdade do quê ou entre quem ? A nossa constituição diz alguma coisa sobre isto no seu artigo 13º alínea 2:

«2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»

Estas afirmações parecem categóricas e explícitas. Mas a interpretação que se podem fazer delas é ambígua. Será a igualdade um direito absoluto ?

Se eu quiser ser tão rico como o meu vizinho advogo o meu estatuto de igualdade para que o estado me forneça os mesmos bens que aquele possui por razão de ele ser heterossexual e eu não, ou de ele ser de esquerda e eu de direita. Será isto que realmente quer dizer a alínea 2 ? Pouca gente dirá que sim. O princípio de igualdade aplica-se num conjunto de circunstâncias próprias que tornam dois sujeitos comparáveis.

O casamento gay já foi colocado no plano dos direitos fundamentais. Será mesmo um direito fundamental ou um privilégio contratual concedido pelo estado ? Estou mais propenso a pensar que é um privilégio.
Se bem que a expressão "orientação sexual" tenha sido introduzida na constituição já no século XXI, duvido que a intenção original dos legisladores fosse o de re-definir o conceito de casamento. Não o era concerteza, e se não o era, então o estado não discrimina ao aplicar uma medida contratual, denominada matrimónio civil, e que à partida já estava definida para ser concedida a indivíduos de sexo diferente.

Mesmo sendo re-definido o conceito de casamento, o artigo supracitado será por força das circunstâncias aplicável aos casais homossexuais no caso da adopção de crianças. Se se chama de casamento também à união de pessoas do mesmo sexo como é que à luz da constituição se pode impedir a adopção de crianças por casais homossexuais ? Isso sim já envolveria discriminação por natureza do matrimónio. No entanto é o que o projecto do PEV propõe. O assunto da adopção merece discussão à parte noutro artigo.

Apesar disto tudo julgo sinceramente que há também alguma substância naquilo que o lobby gay reivindica. Porque há um lado prático nisto tudo e que facilita a vida às parelhas homossexuais nomeadamente no que diz respeito a heranças ab intestato ou coisas simples como visitas hospitalares.

Sendo estes os argumentos em debate agora chega a altura de expôr o meu pensamento. Sendo eu um conservador sou concerteza sensível àqueles que receiam pela redefinição do casamento. No entanto creio que há uma via de compromisso a que se pode chegar.

Aqueles que pensam que o casamento gay é algo que irá destruír a família tradicional enganam-se. De facto dos países do mundo que legalizaram o casamento homossexual verifica-se que o casamento religioso aumentou, precisamente porque as pessoas se querem fazer diferenciar nesse campo.

Assim sendo, porque não chamar de união civil, como se faz em S. Francisco em vez de chamar casamento à união entre pessoas do mesmo sexo ? Isto é uma ideia que não é nova e já foi veiculada por Marcelo Rebelo de Sousa por exemplo. Desta forma não é necessário alterar a definição tradicional de algo que já existe mas introduz-se um outro tipo de contrato jurídico próprio para pessoas do mesmo sexo. A união civil pode incorporar alguns ou mesmo todos os privilégios contratuais conferidos pelo casamento conforme a especificidade que requeira uma união entre pessoas do mesmo sexo.

Terão os homossexuais que mimetizar ou reflectir tudo o que os heterossexuais fazem ou podem fazer ? Fará isto algum sentido ? Sendo óbvio e patente que a homossexualidade é objectivamente diferente da heterossexualidade, e digo isto sem desvirtuar nem uma nem outra situação. Ninguém aqui está a querer medir afectos, trata-se somente de observar os traços comuns e as diferenças entre uma e outra situação. Os traços comuns já sabemos, as diferenças também convém realçar.

Esta "igualdade" de que se fala não pode ser uma imposição cega e descontextualizada. Até porque aposto que o casamento gay não é propriamente a principal preocupação dos homossexuais deste país. Havendo ainda muita homofobia no interior do nosso país, é duvidoso que com ou sem casamento, os homossexuais que vivam num meio adverso se sintam melhor.

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